O lugar em que a Vista é Alegre
Quando a vaga de socialismo utópico dava que pensar a uma boa parte da Europa, em Portugal um homem estava determinado em tornar a utopia realidade. Esse homem chamava-se José Ferreira Pinto Basto e depois de ter nas suas mãos o negócio do sabão e do tabaco, decidiu que estava na altura, não só de mudar de vida como de mudar a vida de quem estava à sua volta.
No início do século XIX, adquire o espaço onde hoje se situa o lugar da Vista Alegre, em Ílhavo, e onde existia apenas uma capela datada dos finais do século XVII, dedicada à Nossa Senhora da Penha de França. Em pouco tempo, Pinto Basto altera a geografia do local com a construção não só de uma fábrica de porcelana como de todo um bairro operário que subsiste até hoje – e praticamente intocável. Para Filipa Quatorze, diretora do Museu da Vista Alegre: “O que José Ferreira Pinto Basto faz é chamar mão de obra altamente especializada, fixando-a aqui, criando famílias de vidreiros e de ceramistas, numa verdadeira comunidade. É assim que nasce a Vista Alegre”.
A cronologia prossegue com o fundador a dirigir, em 1824, uma petição ao rei D. João V para a atribuição do alvará de laboração da “Real Fábrica de Porcelana da Vista Alegre”. As primeiras experiências começam com o vidro e o cristal e finalmente, em 1832, descobrem o tão ambicionado caulino, uma argila pura, altamente refratária e o ingrediente fundamental para a produção de porcelana. O ano de 1835 marca então início da produção das peças como as conhecemos e o desenvolvimento dos equipamentos sociais que persistem até hoje, referimo-nos à companhia de teatro, à mais antiga corporação privada de de bombeiros, à creche, ao grupo coral, à filarmónica ou ao clube do bairro, o Sporting Clube da Vista Alegre. “Tudo isto integra um sistema que agrega as pessoas que aqui trabalham e que faz com que este espaço seja um lugar especial e muito mais do que uma fábrica”, resume a diretora do museu.
E é com este mesmo espírito que a empresa se quer manter. Nuno Barra, administrador da Vista Alegre, sublinha esta faceta da empresa, garantindo que estão a trabalhar “para preparar os próximos 200 anos. Por isso estamos a torná-la mais sólida e sustentável. A ambição é ser a marca de referência na porcelana a nível global. E não está muito longe de o conseguir. “Neste momento estamos no top cinco, temos 42 lojas e vendemos para 60 países. Todos os anos produzimos mais de 20 milhões de peças”.
Desde o ano passado que a marca está a chegar ainda mais longe com a entrada no mercado indiano, italiano, francês e mexicano. “França foi muito importante porque é um mercado muito maduro e com uma grande tradição em porcelana. Ora, este ano a Vista alegre abriu três pontos de venda no Printemps e vai abrir a sua flagship em Paris. É um aposta ganha”, garante Nuno.
E, para se assegurar que consegue chegar a cada vez mais públicos, a marca não descura o cruzamento da vertente mais tradicional com a modernidade que os novos consumidores procuram. “A colaboração com artistas contemporâneos tem sido muito importante para conseguir vencer a ideia de que a Vista Alegre é uma marca mais clássica e de alguma forma parada no tempo. Esta ligação com artistas, arquitetos, escritores e designers traz-nos esta contemporaneidade à marca, até porque os nomes que escolhemos têm uma preponderância grande na definição das tendências”, realça Nuno Barra.
E a verdade é que todos os anos são apresentadas colaborações especiais. As mais recentes são com a Lacroix, ou a coleção Folkifunki de Jamie Hayon, “um dos melhores designers da atualidade”, segundo Nuno Barra, e que será apresentada em setembro, em Lisboa, além das parcerias com a Oscar de la Renta, ou o Projeto Artistas Contemporâneos, cujas peças mais recentes são “Gente D’Alma”, de Martins Correia. “É uma iniciativa muito interessante porque junta alguns dos principais artistas contemporâneos portugueses, angolanos, moçambicanos e brasileiros”, esclarece o administrador da Vista Alegre. Mas há mais projetos a piscar o olho a contemporaneidade como a coleção 2i, em que todos os anos, os ilustradores que ganham o prémio da competição Ilustrarte são convidados para fazer um prato – numa coleção que é cada vez mais extensa.
“O nosso objetivo é fazer crescer a empresa não ferindo as origens da marca e o seu ADN, que é clássico, mas tornando-a relevante no seu tempo”. Para continuar a fazer história (pelo menos) mais 200 anos.